- Vítória Medeiros
Cell-Free: A inovação na síntese proteica
Atualizado: há 5 dias
Por Vitoria Medeiros
Ao pensar sobre a síntese proteica no laboratório, qual procedimento vem à sua mente, caro leitor? Possivelmente a primeira técnica pensada é a síntese in vitro, na qual é utilizado todo o maquinário celular — o que não é surpresa, uma vez que já é amplamente conhecida e utilizada.
Pois então, se esse método já é o de costume e prevalente nos laboratórios, além de ser aplicado há décadas com sucesso, por qual motivo haveria a necessidade de mudança ou atualização se ele já é um clássico no meio científico? Afinal, se é tão praticado, deve significar que ele é o mais eficiente, correto? Fica até o fim do artigo, que vamos discutir as possíveis respostas.
Primordialmente, deve-se destacar que o avanço da ciência não depende somente de observações, perguntas de pesquisa e experimentos quanto ao funcionamento do mundo. O questionamento sobre os próprios métodos e ferramentas para realizar os experimentos leva ao avanço da possibilidade de observação. Assim, tais características se ligam e atuam como combustível para a constante inovação. Consegue visualizar como os avanços tecnológicos e científicos estariam estagnados caso Hans Janssen e seu filho Zacarias não possuíssem curiosidade, vontade e coragem de inovar, criando o primeiro microscópio (ainda muito rudimentar)? Ou ainda, se posteriormente cientistas com as mesmas ambições por descobertas não fizessem tentativas de aprimoramento de tal invenção? Nos tempos atuais, parece inimaginável, não é?
Assim, ciência produz inovação e inovação evolui a ciência, e desse modo ambas pertencem a uma relação de codependência, pois só podem andar juntas. Automação laboratorial, biologia sintética e o método CRISPR-Cas são apenas alguns dos exemplos mais recentes que têm acelerado o desenvolvimento científico. Apesar de técnicas distintas, todas possuem a necessidade de inovação como a principal característica por trás de sua criação. E é com esse pensamento que a Biolinker, uma empresa brasileira sedeada em São Paulo, oferece à comunidade científica o que há de mais atual no âmbito de síntese proteica.
⮚ A Biolinker
Criada por cientistas brasileiros, filha da USP, a Biolinker desenvolve produtos e serviços através de ferramentas inovadoras como a biologia sintética, sendo especializada em produção e purificação de proteínas recombinantes, incluindo a produção de antígenos e kits Elisa para a detecção do Sars-Cov-2. Entre estes, um dos produtos mais inovadores, é um kit para síntese de proteínas sem a presença de células, ou seja, no modelo Cell-Free (veja mais abaixo).
Comercializar tecnologia nacional não é uma tarefa fácil; é um grande desafio, principalmente para as empresas de biotecnologia. Primeiro, a qualidade precisa ser superior à de produtos estrangeiros. Segundo, essas empresas precisam conquistar a confiança dos pesquisadores sobre sua capacidade de entrega e serviço. Um terceiro ponto diz respeito à mudança de cultura: como ser superior, na visão dos cientistas, frente às tradicionais multinacionais?
Neste contexto, a Biolinker se insere ao mercado para passar o recado de que o Brasil tem grande potencial para fazer ciência inovadora e de grande relevância, contornando todas as dificuldades presentes na produção de ciência e tecnologia no país. Sua capacidade tem sido mais do que provada, tendo se consolidado dia a dia e se apresentando hoje como a única empresa da América Latina que comercializa o kit Cell-Free. Sim, isso mesmo! Além disso, a Biolinker foi eleita uma das 500 melhores startups do segmento deep-tech no mundo, após concorrer com outras 4500 inscrições em 119 países. Para completar esse caminho, acabou de receber investimento do CEO do iFOOD!É ou não um orgulho nacional?
⮚ A técnica Cell-Free
Certo, já dissertamos sobre a importância da constante atualização na ciência; um pouco da proposta da empresa Biolinker e muito brevemente sobre as técnicas utilizadas. Então, finalmente, vamos falar sobre o carro-chefe da startup: A técnica de síntese de proteínas que não utiliza células.
Espera, mas como assim? Como é possível?
Essa técnica existe, e por mais recente que pareça, ela foi citada pela primeira vez em meados de 1960, há mais de 50 anos. A Cell-Free, como o próprio nome sugere, baseia-se numa síntese livre de células, na qual as proteínas são feitas utilizando apenas a “maquinaria” celular. Para que sua realização seja possível são necessárias 3 ferramentas essenciais:
Template, utilizado para especificar a proteína traduzida;
Moléculas que atuarão como substrato na transcrição e na tradução;
E por fim o extrato celular, que se trata basicamente do citoplasma da célula. É nele que está contido o maquinário que de fato realizará a síntese das proteínas alvos.
No caso da Biolinker, o modelo escolhido para ser extraído foi o da bactéria E. coli. Okay, isso já ficou claro, mas por que essa técnica seria mais benéfica?
Ao contrário dos modelos comuns de produção de proteínas, que acabam limitando a variedade de alvos produzidos em razão da “toxidade” destas, o modelo Cell-Free permite a sintetização das tais proteínas “tóxicas”, isto é, que prejudicam seu hospedeiro, uma vez que não há célula para ser danificada. Além disso, propicia uma grande otimização de tempo, visto que em apenas 16 horas de reação já é possível obter-se um rendimento de 90%, o que aumenta em grande escala a produtividade do laboratório que opta por adquirir o kit. Além da alta eficiência, é possível ter maior variabilidade de alvos e a possibilidade de trabalhar com proteínas que antes eram de difícil ou inviável expressão.
Em conclusão, é notório que, apesar de pouco conhecida, a técnica Cell-Free promete trazer grandes benefícios para seus adeptos, além de representar um importante avanço para a ciência.
E se você, prezado leitor, se interessou pelo assunto e quiser saber mais detalhes sobre a técnica cell-free, bem como sobre sua eficiência, além do que a pode influenciar, deixo abaixo um artigo para tal:
Jiang N, Ding X, Lu Y. Development of a robust Escherichia coli-based cell-free protein synthesis application platform. Biochem Eng J. 2021 Jan 15;165:107830. doi: 10.1016/j.bej.2020.107830. Epub 2020 Oct 17. PMID: 33100890; PMCID: PMC7568173.