Inseguranças, protocolos e o impacto disso fora das paredes do lab.
Foi ali no final de fevereiro que a maior parte do planeta percebeu que um lockdown seria necessário. Essa percepção e, com isso, as atitudes tomadas a partir dela foram bastante diferentes entre as nações, mas a comunidade científica de uma maneira geral havia entendido que não dava mais para controlar o avanço da doença sem uma completa paralisação. Depois de alguns meses, como os pesquisadores têm tentado voltar ao laboratório?
“Acho que ficar tanto tempo parado não impactou muito a minha carreira. O mundo inteiro parou né. O impacto é na nossa saúde mental mesmo.” Rodrigo Nunes, pesquisador do Instituto de Saúde Pública em Baltimore, USA.
“Todo mundo queria voltar a trabalhar, ninguém quer ficar parado.” Eric Spinetti, doutorando do Van Andel Institute, Michigan, USA.
“Eu achei que sim, teve um fator positivo na minha vida profissional, porque realmente eu me impus a terminar essa review no tempo especificado pela quarentena.” Diana Pelizzari, pós-doc no Institut National de la Santé et de la Recherche Médicale em Rennes, França.
Exceto àquelas estritamente relacionadas ao vírus e à doença, pesquisas que incluem experimentos de bancada e interação com seres humanos foram interrompidas, congeladas, repensadas no mundo inteiro e os laboratórios mantiveram apenas atividades básicas, como o cuidado com cobaias, por exemplo.
Cinco meses após o primeiro susto, algumas universidades começam a retornar às atividades, incluindo a pesquisa laboratorial, cada uma elaborando uma cartilha de boas práticas para auxiliar os institutos de pesquisa. Ao contrário de diversos outros países, o Brasil não viu fases de contaminação e discute o retorno sem a diminuição do número de casos.
Assim, queríamos entender um pouco melhor como outros países que também foram epicentro da doença estão lidando com a volta ao laboratório. Para isso, a iBench conversou com três pesquisadores brasileiros que estão no exterior: o Rodrigo Nunes, doutor formado pela bioquímica da Universidade Federal do Rio de Janeiro e atual pesquisador na Universidade Johns Hopkins, Baltimore, USA estudando metabolismo de Drosophilas, o Eric Spinetti, doutorando do Van Andel Institute, em Michigan, USA estudando modelos cardíacos e a Diana Pelizzari, pós-doc do Institut National de la Santé et de la Recherche Médicale, em Rennes, França, cuja pesquisa foca em novos fármacos anticâncer.
Uma pitada de ‘era uma vez’
O Rodrigo é uma espécie de ovelha negra da família. Um pouco contrariando as gerações de advogados, entrou para o mundo da ciência ainda no ensino médio, com programas que visam abrir as portas dos laboratórios para jovens curiosos. Seus estágios na Fiocruz o ajudaram a decidir pela biologia, seguindo sua carreira acadêmica na bioquímica, mais especificamente com o metabolismo de insetos, sempre na UFRJ. Mesmo vendo algumas deficiências na ciência, tornar-se professor e pesquisador permaneceu sendo seu objetivo. Lá para 2017, porém, uma coisa curiosa aconteceu: sua posição de pós doutor estava segura, mas não havia dinheiro para fazer pesquisa.
Rodrigo enxergou isso como uma oportunidade para então ter sua experiência internacional e entender como se fazia pesquisa em um local de excelência para sua área. Quatro estações e alguns papers depois, obstáculos não antecipados se apresentam: vem a pandemia da COVID-19, a paralisação dos laboratórios e uma política de imigração não tão amigável (mas essa discussão não faz parte desse post).
A madrasta má?
Em final de fevereiro, início de março a situação da região de Baltimore não era tão complicada como Nova Iorque, mas a decisão pela paralisação era certa. No caso do Rodrigo, o trabalho com Drosophila melanogaster exigiu que ele fosse ao laboratório 1 ou 2 vezes por semana, pois não é possível congelar os ovos como os de outros insetos. Mas não era permitido fazer nenhum tipo de experimento durante a estadia no laboratório, então a pesquisa parou mesmo.
Não deu para aproveitar nada do tempo em casa?
Rodrigo comenta que conseguiu terminar dois papers e um pedido de grant, mas a impressão geral é que o tempo parou por causa dos experimentos cancelados. O Eric, doutorando em biologia celular e molecular, traz um relato um pouco diferente. Ele tinha acabado de conseguir desenvolver o seu modelo para os próximos experimentos do doutorado quando a pandemia chegou e isso teve um impacto muito grande no andamento do projeto. Em compensação, o Instituto onde trabalha se adaptou rapidamente ao modo online e manteve atividades, reuniões e análises que eram possíveis de se fazer apenas usando o computador. Adiantou artigos, discussões, projetos para pedido de verba. Capaz de vermos um boom de artigos de revisão em alguns meses! Segundo ele, houve uma conversa franca entre a chefia e o grupo, sem criação de expectativas para ambos os lados – o que deve trazer um bom alívio neste momento de tensão.
Lá em Baltimore, a proibição de experimentos nos laboratórios continuou até final de junho, início de julho quando a Universidade permitiu um retorno das atividades, limitando a ocupação dos laboratórios, permitindo cerca de 40m² por pessoa, o que, no caso deles, exigiu a divisão do grupo em dois turnos, um de domingo a quarta e outro de quinta a sábado. A partir de agosto, a Hopkins desceu a exigência para 20m² por pessoa, o que vai trazer o laboratório todo de volta às atividades.
A Diana, que está no INSERM na França – instituto de pesquisa biomédica e saúde humana ligado ao governo federal – conta que a quarentena lá acabou no início de maio. Até hoje, o uso de máscara é obrigatório 100% do tempo em lugares fechados, as salas de coffee break e cafeterias estão fechadas e não é possível mais esquentar comida nos espaços comuns. A social continua digital.
Vamos às exigências para a volta ao laboratório.
Lá em Baltimore, jaleco descartável, luva o tempo inteiro (mas não no corredor!), máscara também. A universidade passou a limpar mais frequentemente os banheiros e a oferecer mais transporte para o campus para a atender a demanda e ainda limitar a ocupação de assentos dos ônibus a 50%. Os laboratórios ficaram responsáveis por fornecer esses EPIs – detalhe, todos os EPIs estão com falta de estoque e lista de espera para entrega, o que na prática, altera um pouco o conceito de descartável, já que os jalecos precisam ser reaproveitados.
>> Se você precisa de EPIs para o seu laboratório, não deixa de conferir as máscaras, luvas e outros materiais que tem no iBenchMarket – dezenas de fornecedores em apenas um lugar.
Em Michigan, no instituto do Eric, o controle é mais parecido com filme de ficção científica. A cada entrada tem controle com scanner térmico, uma enfermeira atenta, um questionário na mão. Na França, as máscaras foram disponibilizados pela instituição e Diana comenta que foi uma certa loucura, pois não havia máscara para ninguém mais e ainda assim conseguiram disponibilizar uma máscara por pessoa. E dentro do laboratório existem as máscaras cirúrgicas, que precisam ser trocadas uma vez por dia. No instituto dela, agora vão ser disponibilizados pacotes de máscaras cirúrgicas para os profissionais. “Então, eles dão um pacote de 20 máscaras. Você assina que recebeu e depois de duas semanas, você recebe mais um pacote e assim por diante”.
E isso é necessário?
As pesquisam apontam que a transmissão pelo ar é a grande responsável pelo avanço da doença, seja por grandes partículas, seja por aerossol. Então, máscara é necessária sem dúvida, mesmo que a proteção seja pequena. Usar jaleco descartável, por outro lado, luva 100% do tempo e limpar bancadas e maçanetas frequentemente foca mais no contágio por superfície e é difícil acreditar que isso é proteção suficiente para compensar o risco de exposição ao trabalhar em local fechado, muitas vezes com ventilação pobre. Mais ainda, tomar essas medidas parece contraditório ao pensar na abertura de bares e restaurantes, onde o contágio é muito favorecido. Esse contraste pode, de um lado, dificultar o respeito às regras, e de outro trazer segurança no retorno ao lab. Não se pode discordar, porém, que todo cuidado pode ser pouco.
>> Interesse na discussão? Tem um artigo do The Atlantic falando sobre isso.
E quais são os efeitos colaterais disso? É muito lixo gerado. Frente aos grandes problemas sociais criados e exponenciados pela pandemia, falar sobre lixo parece distante e secundário. Mas esse é exatamente o problema sobre a mudança do clima: parecia lá atrás um futuro distante (para alguns provavelmente ainda parece…). Com uma população inteira usando máscaras, é de se esperar que nem todas elas acabem no lugar certo. Os oceanos já receberam sua parcela de lixo recorrente da pandemia. Mas os laboratórios não estão livres do descarte excessivo e inadequado – na Índia tem até aplicativo para computar o lixo gerado. Lá parece que o assunto está a toda, pois alguns cientistas se juntaram para transformar os EPIs descartáveis em outros materiais, buscando dar um final mais sustentável a eles.
Quem sabe, um final feliz.
Se alguém pode falar sobre um aspecto positivo da quarentena, pelo menos pessoalmente, é o Eric. Ele já tinha um projeto para falar sobre o seu doutorado e sua experiência na academia e com a paralisação nos laboratórios viu a oportunidade perfeita para tirar do papel suas ideias. Além é claro de poder passar mais tempo com a esposa e com a filha. O Eric está bombando com o canal no YouTube “Doutorando numa Fria” e fala que fazer isso é muito mais divertido do que escrever revisão. Aliás, isso daria uma monografia interessante – “Efeitos da pandemia no currículo acadêmico – mais artigos de revisão ou mais canais no YouTube?”
A Diana também tem uma visão de certa forma positiva da quarentena, que parece bem atrelada à forma de liderança do chefe da equipe. Ela diz que os alunos e pós-docs foram muito estimulados a trabalharem em novos grants e reviews, a finalizarem seus papers. Este período em casa, que para muitos pareceu uma eternidade, para ela foi o tempo exato e eficiente para terminar um experimento que havia começado pouco antes da paralisação. O experimento envolvia animais e o sacrifício deles faria com que o experimento se perdesse e as vidas dos animais seriam desperdiçadas sem propósito. Assim, seu trabalho foi priorizado frente a outros alunos e pós-docs.
A quarentena alterou a vontade das pessoas se digitalizar? Para Diana, parece que sim. “No meu caso, eu gostei muito, muito das reuniões pelos zoom e pelo Skype, achei que foi muito produtivo. (…) Mesmo estando aqui na França, estou assistindo à várias palestras da UFRJ que eu acho interessante (…) todo mundo está colocando todas as palestras online.(…) Alguns colegas meus, do laboratório, inclusive começaram com curso no youtube de Bioinformática”, disse ela.
De um lado, sofrimento e perdas irreparáveis. Desigualdades exacerbadas sem necessidade. De outro, na voz de Raul Seixas, o dia em que a Terra parou, um planeta inteiro sofrendo as consequências de uma mesma causa. Impactos positivos e negativos sempre haverá. O saldo final, só o futuro para dizer.