Trajetórias de cientistas empreendedores e um passo-a-passo para tirar ideias do papel.
Como uma forma alternativa de carreira científica, tem crescido o número de pesquisadores que querem aplicar seus conhecimentos para resolver problemas pungentes na sociedade. Assim, ser cientista empreendedor significa criar uma solução para um problema, baseada em uma pesquisa realizada pelo próprio empreendedor ou pelo seu time. Mas será que ciência e empreendedorismo podem andar juntos?
Para discutir a trajetória de cientistas empreendedores, entrevistamos três ganhadores do edital “Doutor empreendedor”, publicado pela FAPERJ este ano. O edital, o primeiro do tipo realizado pela agência de fomento, visa financiar projetos baseados no doutorado do aplicante da proposta, que possam ter um modelo de negócios viável e escalonável.
Se você tem interesse em uma carreira alternativa e quer saber um pouco mais sobre, está no post certo. Aqui você encontrará um pouquinho da história desses cientistas empreendedores e os cinco passos para se jogar neste mundo também.
Mônica Vianna: “Uma empresa inovadora não pode ter uma equipe que não seja criativa e que não tenha domínio técnico sobre o que ela precisa manipular ou sobre o que ela precisa criar.”
Maria Beatriz Mota: “Me deparei com uma realidade bem diferente onde precisei adaptar a minha forma de escrever, o que valeu muito a pena“
Felipe Teixeira: “Gerenciar pessoas e projetos em um laboratório de pesquisa é diferente de gerenciar pessoas e projetos em uma empresa. Mudam os riscos, os interesses e os olhares, porém é um desafio que estou ansioso para enfrentar!“
A Maria Beatriz Mota, ou Bia, tem uma experiência bem nova com tudo isso. Formada em farmácia pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e com mestrado e doutorado pelo Instituto de Bioquímica da Universidade Federal do Rio de janeiro (UFRJ), se especializou em bioinformática com enfoque em análise de dados de sequenciamento de nova geração (Next Generation Sequencing ou NGS).
Para o edital ‘Doutor Empreendedor’ conceptualizou a RioGen, uma empresa de biotecnologia que tem como missão ampliar os horizontes do diagnóstico genético através da análise de dados de sequenciamento. Através do desenvolvimento de um software, seu propósito é integrar todas as etapas da análise tornando-a mais rápida, eficiente e confiável.
A Mônica Vianna, biológa pela UFRJ e mestre e doutora pela PUC em química analítica, também percorre os campos da modelagem matemática para desenvolver aplicações com biossensores ópticos, bioprospecção de biossondas, buscando fazer análises complexas diversas.
O Felipe, por sua vez, estudou biomoléculas a partir de invertebrados marinhos que pudessem ter aplicações nas indústrias farmacêutica, cosmética e também alimentar – ou nutracêutica. Para o edital, propôs uma empresa que se dedica a prospectar estas moléculas e fornecê-las para outras empresas, explorando a biodiversidade marinha brasileira.
Dizem que uma vez empreendedor, pra sempre empreendedor. Como a pílula vermelha do Matrix. Às vezes isso está claro desde cedo, às vezes uma fagulha faz tudo acontecer. Então antes de darmos os cinco passos para o sucesso, perguntamos como que isso tudo começou para nossos doutores empreendedores.
Como o empreendedorismo surgiu na sua vida?
A Bia nunca tinha pensado em ser empreendedora até que percebeu que com a bioinformática clínica, havia um grande potencial na área para resolver problemas da sociedade. A FAPERJ está sendo o empurrão para tomar coragem e tirar o sonho do papel.
A Mônica comenta que sempre participou de projetos com objetivos claros, que entregassem resultados às pessoas. Desde então também tinha interesse em gerir e liderar pessoas, demonstrando um perfil empreendedor desde cedo. O fomento público também tem grande papel aqui, pois coragem não é exatamente suficiente.
Já o Felipe é justamente fruto da influência que o ambiente empreendedor pode ter em cada cientista. Tendo participado e liderado uma empresa júnior, ao atuar como empreendedor, percebeu a importância de se aproximar do mercado e da sociedade.
E quais são os maiores desafios?
Primeiro, empreendedorismo é um grande novo mundo para se conhecer e estudar. Só para começar, escrever uma proposta para um edital de inovação é bem diferente de um edital puramente científico. Provar que sua solução, sua ideia vai resolver o problema identificado na sociedade não é tarefa trivial. Mesmo para o Felipe que já havia iniciado há algum tempo sua trajetória de empreendedor científico, o seu projeto foi negado à primeira vista, pois não estava claro como poderia dar frutos.
A Mônica traz outro ponto: a visão dos colegas de laboratório e universidade, que taxaram sua veia empreendedora como “abandonar a ciência” e “largar a universidade”. Essa não é uma questão incomum. A falta de visão inovadora e muitas vezes afunilada desmantela sonhos que poderiam trazer um grande retorno à sociedade. Empreendedorismo não deveria ser conectado com ganhar dinheiro em cima dos outros, mas sim como mais uma forma de transferir conhecimento da universidade para a sociedade, em forma de produtos, serviços e soluções.
Vamos ao trabalho?
As histórias trazidas aqui tem conexão direta com o campo da biotecnologia, mas empreendedorismo científico não se limita a ela. Qualquer ideia que se baseia em dados científicos, e saia da academia para o mercado, pode ser considerada uma forma deste tipo de empreendedorismo. O fato da pesquisa ser essencial para a empresa ou iniciativa formada, faz com que elementos específicos tenham que ser considerados e geridos desde o início, como a proteção do conhecimento. Assim, vamos à dica número 1:
Passo 1: Entenda e proteja sua propriedade intelectual, se possível.
Não, ter uma ideia não é a parte mais essencial do negócio. Nem de longe. Mas se a sua pesquisa tem o potencial de gerar algum processo ou produto novo, significa que sua ideia está se concretizando em algo que pode ser explorado. Definir quem contribuiu para aquele novo produto ou processo é essencial logo no início para saber como quaisquer resultados podem ser distribuídos.
Isso também é importante para garantir que outras empresas já estabelecidas no mercado não façam (mau) uso da sua ideia. Fazer uma análise da sua propriedade intelectual também te ajuda a entender quem mais no mundo está fazendo isso e para que está aplicando. Às vezes, sua pesquisa foi feita pensando em um objetivo, mas ela pode ter vários outros usos interessantes.
Busque conversar com o núcleo de inovação tecnológica da sua universidade e com outros empreendedores do ramo que estejam perto de você para se informar sobre os melhores caminhos. Tenha sempre alguém com quem comparar a sua situação. Isso se chama fazer benchmark e benchmark é vida.
Não tente fazer nada sozinho! Empreendedorismo é colaboração.
Passo 2: Estude e desenhe o modelo de negócio que mais se alinha com seu propósito.
Da mesma maneira que pipocam os empreendedores, pipocam as organizações que auxiliam estes empreendedores. Aceleradoras, incubadoras, parques tecnológicos, processos de mentoria… hoje existe uma série de atores que proveem treinamentos, materiais de estudo e, principalmente, networking para você conectar, conversar, se informar. Cada encontro é uma chance de convencer alguém que sua ideia é a melhor de todas.
E veja, aqui Darwin também tem razão: a lei não é ser o melhor e sim o mais adaptável.
Sua ideia pode ser sensacional, mas se ela não tiver mercado e não se adaptar a ele, ela não tem futuro. Flexibilidade deve moldar sua trajetória de cientista empreendedor. Isso não significa necessariamente que o mercado já está lá, esperando por você, e é por isso que as metodologias atuais todas se baseiam em testes: organize um plano e execute o mais rápido possível. Deu certo? Vá em frente. Deu errado? Veja o que pode fazer diferente.
As empresas podem ter negócios muito diferentes atualmente, mesmo na área da pesquisa. Desenvolver ciência na universidade não implica necessariamente a venda do produto final da pesquisa. Então busque o modelo que mais se alinha com seus propósitos de vida.
A iBench, por exemplo, escolheu ser uma empresa digital, pois acredita que as tecnologias digitais podem facilitar muito a vida dos cientistas. É como se estivéssemos multiplicando as possibilidades na ciência!
Passo 3: Entenda seu mercado.
Não! Não é agora que você vai atrás de financiamento. Entenda muito bem o seu mercado primeiro. Converse com seus futuros potenciais clientes. Aliás, defina seu cliente detalhadamente. A Bia tem uma série de parcerias com o INCA, IFRJ e Instituto D’Or. Com essas parcerias, ela pôde discutir e refinar sua ideia, entender a dor do mercado. Veja seus concorrentes. O que eles estão fazendo? Para quem e como estão vendendo? De que maneira sua ideia é diferente?
Nota: se você não achou concorrentes a chance de sua pesquisa estar falha é bem grande. Volte três casas e procure de novo.
A Mônica também segue e fica de olho em empresas que possuem propostas bastante inovadoras, ou hardware competente. As inspirações não necessariamente estão no seu campo e, na verdade, inovações radicais e grandes propostas surgem muitas vezes da junção de produtos ou propostas vindas de setores bem distantes.
Diversifique sua trajetória de cientista empreendedor.
Passo 4: Encontre o pote no final do arco íris.
Agora sim você está pronto para ir atrás de financiamento. Programas fomentados pelo Estado são o instrumento mais comum para iniciar empresas de base científica e/ou tecnológica. Tanto na esfera estadual, quanto na federal, o Brasil tem crescido o número de editais de inovação para alavancar o empreendedorismo aqui.
Enquanto financiamento e infraestrutura ainda são grandes gargalos para empreender no Brasil, existe toda uma gama de diferentes instrumentos e organizações que o fazem. Novamente aqui, participar de programas como o Prointer Bio, BNDES Garagem ou buscar apoio de organizações como o Garagem Get Up é essencial para entender quem, o quê, quando e como buscar.
Lembre-se porém, que conquistar sua independência financeira achando o melhor modelo de negócios e efetivamente fazendo negócios, é sempre o melhor caminho.
Passo 5: Pare de estudar e vá a campo.
Sim, claro, estudar é primordial, mas a execução é que faz as coisas acontecerem!
Errar é esperado e aprender com os erros faz parte do processo. Desenhar o plano perfeito é algo que não existe. Aceitar o frio na barriga e se jogar no mercado é que vai fazer você iniciar sua trajetória de cientista empreendedor e ajudar a tirar suas ideias da bancada.
Mas nunca se esqueça de que projetos são feitos de pessoas. Procurar uma equipe competente, cujos conhecimentos e personalidades sejam complementares aos seus pode ser crucial para levar a ideia a cabo. Paralelamente, os interesses, deveres e objetivos devem ser colocados muito claro desde o início para que quaisquer atritos sejam evitados.
Além disso, é sempre válido lembrar que antes de sermos recursos, somos todos humanos.
Se você tem uma ideia que pode facilitar a vida da pesquisa, dos laboratórios e dos cientistas, ou gostaria de saber mais sobre a trajetória de cientistas empreendedores, manda uma mensagem para gente. Revolucionar a pesquisa, aumentando a competitividade da ciência brasileira, é o que a iBench está fazendo.