Livia Schiavinato Eberlin é professora da Universidade do Texas em Austin, EUA, e lidera um grupo de pesquisa focado no desenvolvimento de tecnologias inovadoras de espectrometria de massa para abordar problemas críticos na pesquisa relacionada à saúde e no diagnóstico do câncer de mama. Pernilla Stafshede é bioquímica da Universidade de Tecnologia Chalmers e realiza pesquisas no âmbito do metabolismo de cobre de células do câncer de mama. Para fecharmos o artigo, uma lista de testes moleculares de primeira geração.
Filha de pesquisador, pesquisador é.
Como uma criança crescendo em São Paulo, Brasil, Livia Eberlin passava horas depois da escola brincando nos corredores da universidade esperando seu pai, Marcos Eberlin, terminar o trabalho. Ele fundou o Laboratório de Espectrometria de Massa Thomson na Universidade de Campinas e é ex-presidente da International Mass Spectrometry Foundation. Sua mãe é formada em bioquímica e trabalhou em um laboratório de zoologia na mesma universidade. Não é surpresa que a própria Eberlin seja uma cientista.
No ensino médio, seus interesses se voltaram para as ciências biológicas, mas Eberlin escolheu estudar química na universidade. Por meio de sua pesquisa de graduação, ela percebeu como a química analítica, e em particular as técnicas de espectrometria de massa, podiam medir moléculas diretamente de amostras biológicas. A espectrometria de massa é uma técnica poderosa relatada pela primeira vez em 1912 e uma infinidade de pesquisas a viu desenvolvida para vários analitos. Muitos cientistas sugeriram que a espectrometria de massa poderia ser adaptada para beneficiar o atendimento ao paciente, capacitando o diagnóstico do câncer de mama e o tratamento de doenças.
Eberlin e sua equipe desenvolveram uma sonda do tamanho de uma caneta que se conecta a um espectrômetro de massa. Eles a chamam de MasSpec Pen, descrita pela primeira vez em 2017.
O time que desenvolveu a MasSpec Pen hoje se reúne no empreendimento Genio Technologies TM. Acesse aqui para saber mais.
Diagnóstico rápido, ainda na cirurgia, com a MasSpec
Os cirurgiões em breve poderão usar uma caneta MasSpec para verificar no meio de uma operação se eles removeram o máximo possível de tecido canceroso. Visualmente, o tecido canceroso pode ter a mesma aparência de um tecido saudável. Mas como as células cancerosas se metabolizam muito mais rápido do que as células normais, a espectrometria de massa pode distingui-las quimicamente. “Eu queria que os cirurgiões aproveitassem a incrível técnica analítica que é a espectrometria de massa por meio de uma interface ou dispositivo amigável que não exigisse grande experiência para uso”, diz ela.
A sonda consiste em uma ponta de polidimetilsiloxano impressa em 3D com três portas separadas às quais tubos de plástico flexíveis são conectados. Uma porta se conecta a um vácuo e move a amostra da sonda para o espectrômetro de massa. Uma segunda porta permite a entrada de gases comprimidos para operar o sistema. Já a terceira fornece um pequeno volume de água para a amostra, que absorve uma amostra de biomoléculas das células do tecido. Após cerca de três segundos de contato, a porta de vácuo suga a água através da tubulação para o espectrômetro de massa, produzindo assim o espectro. Todo esse processo leva cerca de 10 segundos.
Diagnóstico e Tratamento do câncer de mama andando lado a lado
Para além do diagnóstico do câncer de mama, soluções inovadoras do chamado câncer de mama triplo negativo, também vêm sendo desenvolvidos. O termo câncer de mama triplo negativo a células cancerígenas que não expressam receptores de estrogênio ou progesterona, além de não produzirem a proteína HER2. Por causa dessas características, cientistas têm desenvolvido soluções como uma nanopartícula que inibe o fornecimento de cobre para células cancerosas, particularmente necessitadas desse tipo de nutrição. Tal tecnologia foi desenvolvida por Jianghong Rao, Ph.D e professor de radiologia e química e por sua equipe.
Pernilla Stafshede, bioquímica da Chalmers University of Technology, acrescenta que “o assunto é oportuno — o cobre definitivamente desempenha um papel fundamental na progressão do câncer, e encontrar maneiras de limitar as funções de promoção do câncer cortando o suprimento de cobre é uma direção que deve ser investigada mais profundamente”. No entanto, ela acrescenta que o estudo carece de ‘várias informações’ e cientistas precisam dar melhores explicações e mais dados, antes de fomentar um entusiasmo. “Se — e é um grande ‘se’ — este sistema realmente tem como alvo as células cancerosas em vez de outras células em um animal, e o modo de ação proposto é verdadeiro, pode ser muito promissor.”
Da bancada para a clínica e para além do câncer de mama
Eberlin recebeu vários prêmios pela MasSpec Pen e seu outro trabalho analítico inovador, incluindo uma prestigiosa bolsa da MacArthur Foundation em 2018. A bolsa concede US$ 625.000 para ajudar indivíduos talentosos em qualquer disciplina, desde ciências às artes. Não se pode fazer indicações para a bolsa, que — portanto, existem milhares de destinatários em potencial. “Foi uma verdadeira surpresa receber aquele telefonema do nada”, diz ela.
O financiamento ajudou Eberlin a continuar a formar sua equipe de pesquisa e a desenvolver a caneta MasSpec para uso clínico. Até o início de 2021, sete cirurgiões diferentes haviam testado o dispositivo em mais de 100 cirurgias humanas em um grande hospital no campus do Texas Medical Center, em Houston. Contente com o resultado, Eberlin diz que é ‘surpreendente ver a qualidade dos espectros de massa produzidos’, que alcançam 90% de precisão no diagnóstico de tecidos normais e cancerosos do pâncreas, ovário, pulmão, tireóide e mama. Durante estes testes, cientistas e cirurgiões coletaram perfis espectrais de 715 análises in vivo e ex vivo a partir de tecidos da tireóide, paratireóide, linfonodo, mama, pancreático e ducto biliar. Agora que os testes clínicos de 2020 terminaram, ‘podemos avançar para a finalização de um dispositivo do qual mais cirurgiões podem tirar proveito’.
Leia mais sobre mulheres cientistas e empreendedoras no post ‘Que tal uma dose de auto-estima e perseverança’.
Diagnósticos moleculares para o câncer de mama
(Textos retirados da mini revisão de Fresia Pareja, Caterina Marchiò e Jorge S Reis-Filho, publicada em 2018)
A identificação de pacientes que de fato se beneficiarão de quimioterapia continua sendo um desafio. No âmbito da medicina de precisão, os testes utilizam uma combinação de genes para determinar o prognóstico do paciente. Assim, tornaram-se ferramentas úteis na determinação do risco de recorrência e na tomada de decisão sobre a aplicação de quimioteriapia para alguns pacientes. Alguns dos testes prognósticos de primeira geração, como Mammaprint13 e Oncotype Dx14 têm um melhor poder preditivo para as recorrências nos primeiros cinco anos. Já os testes mais recentes, como o Prosigna, Endopredict, e o Breast Cancer Index (BCI), têm bom poder preditivo tanto para as recorrências precoces quanto tardias.
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A utilidade dos ensaios multigênicos limita- ao câncer de mama ER-negativo, pois a maioria dos casos é classificada como de “alto risco” devido às suas taxas proliferativas elevadas. Isso restringe o valor prognóstico dos ensaios multigênicos à doença ER-positiva. Notavelmente, os laboratórios podem realizar todos os cinco testes usando amostras fixadas em formalina e embebidas em parafina (FFPE), facilitando a difusão da técnica.
Cinco testes baseados em RT-PCR ou Microarranjo
O oncotype Dx é um ensaio de transcriptase-PCR reversa (RT-PCR) que mede a expressão relativa de 21 genes, incluindo 16 genes relacionados ao câncer e cinco genes de referência. O ensaio calcula uma pontuação de recorrência (RS) de zero a 100, atribuindo aos pacientes as pontuações baixa (RS <18), intermediária- (RS entre 18 e 30) ou alta RS (RS 31). A RS determina o risco de recorrência em 10 anos e o benefício da adição de quimioterapia em ER-positivos, pacientes com câncer de mama HER2-negativos e nódulos negativos tratados com tamoxifeno.
MammaPrint é um ensaio de prognóstico baseado em microarranjo (microarray) de DNA para pacientes menores de 61 anos com câncer de mama negativo em linfonodo ER-positivo em estágio I ou II. Este ensaio envolve a avaliação da expressão de 70 genes, permitindo que estratificação dos pacientes em categorias de baixo e alto risco.
Prosigna é um ensaio baseado em RT-PCR que, usando a tecnologia NanoString, mede a expressão de 50 genes classificadores do PAM50 algoritmo de classificação molecular e de 5 genes de controle. O teste calcula uma pontuação de risco de recorrência (ROR), colocando os pacientes nas categorias de baixo, intermediário ou alto risco. Seu uso foi aprovado para a predição de sobrevida livre de recorrência à distância em mulheres na pós-menopausa com câncer de mama ER-positivo em estágios I e II tratadas com terapia hormonal adjuvante.
EndoPredict é um ensaio baseado em RT-PCR que calcula uma pontuação de risco com base na expressão de oito genes relacionados ao câncer e três genes de referência. Ele permite a estratificação de pacientes com câncer de mama ER-positivo precoce em alto risco e baixo grupos de risco para recorrência de 10 anos. Pacientes geralmente foram tratados apenas com terapia endócrina adjuvante.
Por último, o BCI é um ensaio baseado em RT-PCR que quantifica a proporção de expressão de HOXB13 e IL17BR, 21. A técnica faz uma integração com o índice de grau molecular (MGI), que avalia a expressão de cinco genes, relacionado ao grau do tumor e ao status proliferativo. Como resultado, a técnica foi projetada para o diagnóstico precoce de câncer de mama em pacientes ER-positivo e sem nódulos, recebendo terapia hormonal adjuvante com alto risco de recorrência.
Muita pesquisa ainda a se fazer, muito a se entender. Independente das tecnologias modernas, prevenção é sempre a palavra da vez.
Este artigo é um conjunto de traduções retiradas do blog Chemistry World e do artigo Pareja, Marchiò e Reis-Filho (2018). Fontes originais:
- Chemistry World. 2021. Linking chemistry with surgery to detect cancerous cells in situ.
- Chemistry World 2020. Nanoparticle can starve aggressive breast cancer cells of vital copper.
- Diagnostic Histopathology. 2018. DOI: 10.1016/j.mpdhp.2018.01.001